quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

 Entrevista à APAV de Lisboa


     Um dos nossos objectivos deste trabalho era visitar a  APAV de Lisboa, visto que nessa Associação lidam com vitimas de Tráfico Humano, mas o mesmo não foi possível. Por isso, entramos em contacto com a APAV via e-mail e fizemo-lhes algumas perguntas.


1- Há quanto tempo foi criada a Unidade de Apoio à Vítima Imigrante e de Discriminação Racial ou Étnica (UAVIDRE)?

      A Unidade de Apoio à Vítima Imigrante e de Discriminação Racial ou Étnica (UAVIDRE) foi criada em 2005 através de um protocolo entre a Associação Portuguesa de Apoio à Vitima (APAV) e o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI). A criação da Unidade deveu-se à necessidade de prestar um apoio ainda mais especializado para a sua população alvo (i.e., vitimas imigrantes e de discriminação).
    Na UAVIDRE o/a utente pode ser informado/a acerca dos seus direitos e a forma de os exercer, ter apoio psicológico, emocional e social, tudo de forma confidencial e gratuita, e num local seguro e isento. A unidade presta apoio na elaboração de queixas e outros documentos legais, seja no âmbito de um processo-crime onde não esteja representado/a por advogado, seja em outras situações em que a língua e os formalismos possam ser um obstáculo ao exercício dos seus direitos.

2- Lidam com muitos ou poucos casos de tráfico humano?

      Mais importante do que a quantidade de casos que recebemos, importa salientar o sofrimento que uma vítima de tráfico enfrenta.
Mais taxativamente, o número de vítimas que procuram a APAV tem aumentado a cada ano. No decorrer do ano 2010, a APAV registou 16 utentes vítimas de Tráfico de Seres Humanos para exploração sexual ou laboral, cujas estatísticas podem ser consultadas no site da Associação.
No entanto, importa ressaltar que estes números não reflectem a realidade do crime em Portugal.

3- Acham que os números de casos de tráfico humano têm vindo a aumentar ao longo dos anos?

    Em Portugal apenas recentemente foram desenvolvidas algumas medidas de monitorização do fenómeno (e.g., Observatório de Tráfico de Seres Humanos), pelo que não existem dados oficiais referentes a anos anteriores. No entanto, podemos avançar que, pelos dados estatísticos da APAV, temos assistido a uma evolução gradual de sinalização de vítimas de Tráfico.

4- Qual foi o pior caso que presenciaram de tráfico humano?

      Cada caso é caso e seguindo este mote, todos os casos que acompanhámos e acompanhamos têm características diferentes e factos únicos. Não podemos afirmar a existência do “pior caso”. Podemos antes sublinhar os factos bastante graves que os nossos utentes apresentam como a fragilidade que revelam quando nos procuram, os traumas que revivem quotidianamente, a crueldade e desumanização a que foram sujeitos, etc.

5- Como é que actuam perante estes casos?

     Como a qualquer vítima que recorra aos serviços da APAV-UAVIDRE, mediante a sua necessidade, prestamos apoio emocional, jurídico, psicológico e social, em atendimentos personalizados e totalmente confidenciais e gratuitos. Caso o utente ainda não tenha denunciado o crime às autoridades, informamos sobre a mais-valia do mesmo e a forma como se processa o sistema judicial nestas situações.
     Em termos de apoio mais directo, podemos, a título de exemplo, agilizar mecanismos institucionais e procurar um acolhimento de urgência e de segurança; construir com a vítima um projecto de vida através do apoio psicológico; acompanhar a vítima em diligências externas (e.g., acompanhá-lo ao Ministério Público, Hospitais, Segurança Social, etc.), de entre outras formas de apoio.

6- Com que razões é que as vítimas justificam ter caído numa rede de tráfico humano?

     Uma vez mais salientamos a particularidade de cada caso. No entanto, verificamos que o aliciamento de melhores condições de vida é um dos argumentos mais comuns que os recrutadores utilizam entre as vítimas

7- Em qual dos sexos a incidência deste crime é maior?

     Relativamente ao género da vítima, parece existir uma maior incidência de vítimas mulheres quando se trata de exploração sexual. Paralelamente, quando a finalidade do Tráfico é a exploração laboral, parece existir um maior número de vítimas homens. Ainda assim, sublinhamos o facto destas diferenças não serem significativas.

8- Quais costumam ser as características das vítimas envolvidas no tráfico humano?
9- Essas pessoas vêm essencialmente de classes pobres?
10- Em que faixa etária este crime é mais incidente?

      Questão 8, 9 e 10: A população alvo dos recrutadores, e tendo em conta o principal argumento de aliciamento (i.e., melhores condições de vida), tende a ser pessoas com algumas dificuldades financeiras e originárias de países com problemáticas sociais vincados.
    Quanto à faixa etária torna-se mais complexa a resposta, uma vez que o Spectrum de idades é bastante grande. No caso de existirem crianças ou adolescentes traficados, estes serão classificados como vítimas de Trafico de Crianças
11- Assistiram a mais casos de emigrantes estrangeiros vítimas deste crime ou de pessoas com residência em Portugal, neste caso, portugueses?

    Ainda que existam muitos portugueses vítimas de redes nacionais e internacionais, de facto a maioria dos utentes que recorrem à APAV são de outras nacionalidades.

12- De onde vem o dinheiro para a sustentação da vossa associação? Provém de particulares ou o estado comparticipa algumas das coisas de que necessitam?

      Em suma, a APAV é uma instituição sem fins lucrativos e de voluntariado, que apoia, de forma individualizada, qualificada e humanizada, vítimas de crimes, através da prestação de serviços gratuitos e confidenciais. Como tal, enquanto Organização Não Governamental, a gestão financeira é bastante complicada e dependemos, em grande parte, dos nossos associados e de donativos comunitários.

13- Acham que existe informação suficiente sobre este assunto?

      Apesar de nos últimos anos termos assistido a um maior investimento na divulgação do crime de Tráfico de Seres Humanos, cremos que ainda existe um longo percurso a percorrer. À semelhança do crime de Violência Doméstica há 10 anos atrás, é necessário sensibilizar as várias comunidades, a população jovem nas escolas, os profissionais que lidam com imigração, com o crime e, inclusive, com profissionais de saúde, em suma, a população em geral, para a realidade do Tráfico de Seres Humanos. É necessário alertar as pessoas para a realidade deste crime, uma vez que é bem mais preponderante do que todos nós julgamos e que todos nós temos responsabilidade cívica para com este flagelo.
 
 
 

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